Por Thiago Taborda Simões e Guilherme P. Araujo
Em cada análise realizada sobre o sistema tributário nacional, a primeira informação – e talvez a que sempre chame mais a atenção – é que diariamente entram em vigor centenas de novas leis tributárias produzidas por todos os entes membros da federação. Essa já é uma característica do sistema brasileiro, da qual decorre o ajuizamento de grande número de demandas judiciais, preventivas ou repressivas, encampadas por contribuintes insurgentes contra inconstitucionalidades ou outros vícios, comumente praticados na produção legislativa.
Das contendas entre Fisco e contribuinte resultará a resposta do Judiciário, que na missão para harmonizar as disposições legais com o sistema constitucional tributário, determinará se as novas leis são com ele compatíveis. Nesse sentido, as consideráveis e constantes alterações no regime de compensação tributária são exemplo de assunto recorrentemente analisado pelo Judiciário.
Com a criação da Super-Receita pela Lei nº 11.457, de 2007, que unificou a administração da arrecadação da Receita Federal e do INSS, por força de dispositivo contido naquele diploma legal, passou-se a sustentar a possibilidade de compensação entre quaisquer tributos administrados pela nova Secretaria da Receita Federal do Brasil. Essa interpretação deu origem a novo conflito, levado ao Judiciário com o Fisco defendendo a impossibilidade de compensação irrestrita entre espécies tributárias, em oposição à alegação de possibilidade de compensação entre quaisquer tributos administrados pela autarquia.
Do embate, recentemente circulou notícia de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarando a impossibilidade de contribuinte compensar créditos de PIS e Cofins com débitos de contribuições previdenciárias. Nesse caso, muito embora Fisco e contribuinte possuam bons fundamentos em defesa de seus interesses, a controvérsia, nos parece, deverá ser resolvida com sua análise à luz do sistema constitucional tributário.
Apesar da ainda existente divergência sobre esse ponto, a Constituição Federal, como reconhece o Supremo Tribunal Federal (STF), repartiu o tributos em cinco espécies: impostos, contribuições de melhoria, contribuições, empréstimos compulsórios e taxas. A principal característica da maioria dessas espécies é prévia vinculação de sua receita ao custeio de alguma atividade estatal, o que, contudo, é vedado ao resultado da arrecadação dos impostos. Assim, a arrecadação dos impostos não poderá ter prévia destinação orçamentária definida, ao contrário da arrecadação de contribuições, que o deverá ter, sob pena de inconstitucionalidade.
Diante disso, cabe-nos questionar se a compensação irrestrita entre tributos arrecadados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil não fere o próprio regime constitucional diferenciado traçado para contribuições e impostos. Se a Constituição Federal, então, determinou a destinação do produto da arrecadação de alguns tributos, à lei infraconstitucional não será lícito desfazê-lo, ainda que garantido o exercício do direito do contribuinte à compensação.
Isso aconteceria com a indiscriminada possibilidade de compensação entre tributos, já que, por exemplo, o orçamento da seguridade social poderia restar prejudicado para saldar compensações de imposto federal declarado inconstitucional em controle concentrado, quando contribuintes poderiam buscar sua compensação.
Mais um passo: será que essa compensação deveria se dar somente entre contribuições que atendam a mesma finalidade? Imaginamos que sim. Ao impor regime especial ao sistema de seguridade social, a Constituição Federal acaba por impor novo limite à compensação tributária, que deverá ser realizada somente entre contribuições destinadas a esse fim. Entendemos ser esse o limite imposto às compensações pela Constituição, com o que, de certo modo, se coadunava o antigo regime de compensações, veiculado pelo artigo 66 da Lei nº 8.383, de 1991, de legalidade endossada pelo STJ.
Não obstante possa parecer que as restrições acima sejam muitas, dentre os grandes grupos de tributos federais, PIS, Cofins, CSLL e contribuições previdenciárias são contribuições de mesma espécie, qual seja, contribuições sociais para custeio da seguridade social, o que autorizaria a compensação entre elas. Ao passo que os impostos sobre a renda, importação, exportação, industrialização de produtos, operações financeiras e propriedade rural, como impostos federais, deveriam ser amplamente compensáveis entre si.
Essa é nossa leitura sobre a permissão constitucional para compensação tributária, dentro dos limites da qual o legislativo federal deverá andar para sua regulamentação e o Judiciário analisar pedidos tanto de contribuintes, quanto fiscais.
Thiago Taborda Simões e Guilherme Peloso Araujo são sócios do Simões Caseiro Advogados.
Fonte – Valor Econômico – 01/7