Almir Pazzianotto Pinto é advogado
Se houvesse competição de disparates do governo, a utilização obrigatória do Registrador Eletrônico de Ponto (REP), objeto da Portaria 1.510/2009, teria lugar assegurado no pódio, talvez com medalha de ouro. A curiosa invenção de algum Professor Pardal, acolhida afoitamente pelo Ministério do Trabalho e Emprego, tem tudo de ruim, e aquilo que oferece de bom já faz parte dos controles eletrônicos utilizados nas melhores empresas. O mais atrasado sistema de ponto é o manuscrito, ainda em voga em alguns órgãos do serviço público. Além dele há o relógio mecânico que imprime, em papeletas retangulares, entrada e saída dos empregados, e intervalos destinados a repouso e alimentação.
O advento da tecnologia da informação ensejou o aparecimento de diversos modelos de registro eletrônico, acionados mediante utilização de cartões individuais magnéticos. Tais equipamentos são dotados de quase ilimitada capacidade de memória, onde ficam registrados, de maneira precisa e por tempo indeterminado, data, hora, minutos e segundos de entrada e saída dos funcionários. A Portaria n. 1.510, de 21 de agosto de 2009, manteve, no que há de essencial, o miolo dos sistemas conhecidos. A pretexto de aperfeiçoá-los, porém, exige que sejam substituídos por novo modelo, dotado de uma espécie de “rebimboca da parafuseta”, cuja utilidade consiste em regurgitar intermináveis papeluchos azuis, impressos a quente, onde são reproduzidos dados já gravados no disco rígido.
Desde o primeiro momento sustentei que a Portaria viola os limites de competência do Ministério, e demonstrei que, se o REP vier a ser implantado, toneladas de bobinas de papel azul serão consumidas desnecessariamente e jogadas fora, para agravar, sob o patrocínio do Ministério, problemas de sujeira e a poluição do meio-ambiente. A tolice da Portaria n. 1.510 chega a ponto de ordenar que minúsculos papéis sejam conservados, pelo trabalhador, ao longo de cinco anos, não se sabe para quê. Ambientalistas, economistas, juristas, patrões e empregados, se associaram em campanha contra o malfadado ato ministerial. Somente não o combatem privilegiados fabricantes de equipamentos eletrônicos, que vislumbraram, na obrigatoriedade da compra do REP, excelente oportunidade de ganhar dinheiro.
Nutri enorme curiosidade em saber de onde havia partido a excêntrica ideia. Recebi a informação de que Professor Pardal seria gaúcho e vivia preocupado com o volume de reclamações trabalhistas em que se discutem horas extras. Determinado dia, ao retirar o automóvel de estacionamento pago, recebeu o vulgar comprovante do período de permanência do veículo. A lâmpada se acendeu, e, após troca de informações com a fiscalização do Ministério do Trabalho, conseguiu a Portaria. Não se deram conta os responsáveis pelo ato ministerial de que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, como adverte a sabedoria popular.
O apoio de algumas indústrias veio a seguir. A obrigatoriedade do cadastramento do fabricante no REP, condicionada a apresentação de Certificado de Conformidade do equipamento à legislação, emitido por órgão técnico credenciado, e de Atestado Técnico e Termo de Responsabilidade, gera entraves burocráticos que apenas pessoas experientes no trato de assuntos governamentais, os denominado lobistas, sabem contornar. Sob ilusório manto da proteção dos trabalhadores montou-se lucrativo negócio gerador de lixo, cujo objetivo consiste na aquisição compulsória do REP, e sucateamento de excelentes ferramentas usadas por empresas cuja idoneidade é inquestionável.
Há poucos dias correu pela imprensa a notícia de que a Justiça Eleitoral teria sido assediada por manobra semelhante. Para cada eleitor, na boca da urna, seria fornecida papeleta, destinada a comprovar o cumprimento do dever de votar. O Tribunal Superior Eleitoral, responsável por sistema de votação e apuração invejado no mundo, repeliu de pronto a tentativa revestida de má-fé e desejo de ganho fácil de dinheiro.
Fonte: DCI – SP por Fenacon