Obrigatoriedade da lei contábil – parte 2

Postado por: Edison Fernandes 

Apesar de ser uma expressão já batida, “as duas faces da mesma moeda” serve muito bem para descrever a função jurídica da contabilidade. De um lado, os registros contábeis concretizam a segregação dos patrimônios dos sócios e da sociedade, no sentido de que os direitos e as obrigações da sociedade não se confundem com os direitos e obrigações dos sócios. Por outro lado, ao delimitar a responsabilidade dos sócios pela atividade empresarial, os registros contábeis garantem a situação dos credores da empresa.

Para cumprir essa única função de dois vieses, a escrituração contábil precisa seguir um padrão universal, que possa ser lido em qualquer lugar, por qualquer interessado. Em razão disso, o Brasil adotou, desde 2008, o padrão internacional de contabilidade, conhecido por International Financial Reporting Standards (IFRS), como a lei contábil (direito contábil).

Dúvidas surgiram, e ainda existem, sobre a abrangência da obrigatoriedade desse padrão contábil, especialmente, no que diz respeito às sociedades limitadas que não são caracterizadas como de grande porte, ou seja, cujo faturamento tenha sido inferior a R$ 300 milhões no ano anterior ou cujos ativos totais sejam inferiores a R$ 240 milhões.

Acontece que a legislação atual, se não foi expressa no seu objetivo último, conseguiu atingi-lo ao regulamentar os meios. De fato, não há dispositivo legal estendendo os IFRS para as sociedades limitadas que não sejam de grande porte. Porém, a lei obriga os contabilistas, os responsáveis pela escrituração comercial das empresas (artigo 1.182 do Código Civil), a seguir as determinações do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), sob pena de sanções profissionais.

Considerando que o CFC tem aprovado todas as manifestações do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) – órgão encarregado da regulamentação dos IFRS no Brasil –, tem-se, como conclusão, que todas as empresas estão sujeitas ao padrão internacional de contabilidade, ainda que indiretamente, por meio da fiscalização aos contabilistas que realizam a sua escrituração.

Em razão dessa exigência, outras podem ser verificadas, tais como: possibilidade de distribuição de lucros, inclusive como remessa para o exterior, apenas se apurados em demonstrações contábeis devidamente assinadas por profissionais habilitados; comprovação de habilitação econômico-financeira em concorrência pública (licitação) por meio de demonstrações financeiras devidamente assinadas por profissionais habilitados; necessidade de regularidade da escrituração contábil para concessão de benefícios fiscais.

Enfim, a adoção dos IFRS, por meio das manifestações do CPC, é hoje uma realidade no âmbito do direito contábil. Vale lembrar que, para as empresas que não se caracterizem como de grande porte, as normas contábeis são mais simplificadas, estando consolidadas no Pronunciamento CPC para Pequenas e Médias Empresas (CPC-PME).

Edison Fernandes
Professor da Direito GV, o advogado é titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas e membro do Grupo de Estudo sobre Notas Explicativas do CODIM/CPC.

Fonte: Valor Econômico via FENACOM

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