Entrevista: Marcos Gouvêa de Souza e um novo varejo para um novo consumidor - SISPRO
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Entrevista: Marcos Gouvêa de Souza e um novo varejo para um novo consumidor

Marcos Gouvêa de Souza é uma referência do varejo no Brasil. Mestre em Administração de Empresas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), sócio-fundador da GS&MD, uma das mais respeitadas consultorias de varejo no País, palestrante e autor de livros sobre esse mercado.

Em entrevistas exclusiva a SuperVarejo, Gouvêa de Souza analisa as transformações que o setor varejista tem passado influenciadas por avanços tecnológicos e pela disseminação da internet. Ele afirma que com tantas mudanças, as relações sociais e comerciais tomaram um novo caminho no Brasil e no mundo, e o compartilhamento de informações e ações é o melhor caminho para o desenvolvimento das empresas do setor.

O que se pode destacar como principais mudanças do varejo de antes da internet para os dias de hoje?

De fato, mais que internet, a maior mudança está ligada à tecnologia, de forma mais ampla. Sendo a internet um dos vetores. Mas o grande regulador de transformações no varejo, mesmo, foi tecnologia.

A análise deve ser muita mais ampla, então?

Sim. No Brasil se tem a internacionalização do varejo. Isso não só trouxe um know-how mais avançado para o varejo do País, como também mudou o patamar de competição. Porque esses gigantes varejistas que vinham de fora traziam, com eles, tecnologias, melhores práticas, outras estratégias de relacionamento com fornecedores, assim como diferentes planejamentos logísticos. E ainda traziam dinheiro para expandir formatos.

A tecnologia é a única responsável pelas mudanças do varejo de antigamente para o de hoje?

Principalmente ela, mas não unicamente. Outro elemento de transformação fundamental do varejo brasileiro foi a formalidade de mão de obra. Antigamente, o pequeno varejista enfrentava o grande, sendo competitivo no preço, devido à informalidade de seus funcionários. Com a formalidade, ele teve que encontrar outros fatores que o levassem a ser competitivo.

Todas essas mudanças afetaram também o comportamento do consumidor?

Claro. Muitas vezes, o consumidor está tão ou mais informado que um vendedor especializado. Isso ocorre também pela mudança socioeconômica do brasileiro. Muita gente viaja para outros países e vê como funciona o varejo lá fora. Quando essa pessoa volta ao Brasil, a atitude dela é diferente.

E como o varejo lida com essas mudanças?

É na tecnologia que ele consegue informações para equacionar todas essas diferenças. Daí surge o que eu denomino como “neoconsumidor”. Porque esse novo consumidor procura referências sobre marca, empresa etc. Ele busca isso muito na internet, mas o que ele valoriza, realmente, é a opinião de outros consumidores.

Estamos falando só do consumidor brasileiro?

Não. Isso é uma tendência global, mas que o consumidor brasileiro, muito mais jovem que a média de idade do consumidor global, tem muito mais abertura para dar e receber referências. Ele gosta dessa troca de informações.

Por isso da importância das redes sociais?

Sim. As redes sociais se transformaram no mais importante veiculo de comunicação e relacionamento na sociedade atual. E estamos todos aprendendo a conviver com essa realidade. Empresas, clientes, governos etc. O “neoconsumidor” é multicanal e cada vez mais digital. Ele compra pelo telefone, pela TV e até pela loja. No Brasil, tem-se pouco mais de 100 milhões de internautas, metade da população. Apenas 13% desse universo nunca teriam comprado na internet e preferem continuar assim. Já 28%, não só compram pela internet como preferem nem ir às lojas físicas.

Ou seja, a internet no meio de todo esse avanço tecnológico se destaca?

Um varejista pode até não vender pela internet, mas tem que estar nela se apresentando, se mostrando. Ignorá-la, de forma nenhuma.

Mas com tantas tecnologias e com o avanço da internet, às vezes parece que varejo e indústria se confundem em seus papeis.

A indústria fazendo o papel de varejo, muitas vezes, é inevitável. E o varejo começou isso também, lá atrás, com as marcas próprias, quando também se assemelhou à indústria. E ninguém está errado nisso. Por exemplo, que marca brasileira de vestuário sobrevive hoje sem um canal exclusivo? O fato é que estar junto com o consumidor trouxe uma forma diferente de relação. Uma realidade que antes era focada em produto, hoje está focada no consumidor. Portanto, varejo e indústria querem a mesma coisa, que é estar próximos do consumidor.

Mas, embora fique clara a importância de se estar perto do consumidor, as empresas não corre risco em atuarem em muitas áreas diferentes ao mesmo tempo?

No mundo inteiro, as corporações de varejo, à medida que dominam processos, sejam os de compra, de conhecimento do consumidor, de abastecimento, comunicação e distribuição logística, essas empresas tendem a ampliar sua área de cobertura, desenvolvendo novas marcas, novos canais e novos negócios. A partir de um determinado momento, o know-how que se tem é tão grande que é bobagem ficar num só formato.

Mas isso é bom ou ruim?

Eu te respondo com outra pergunta: é bom ou ruim para quem? Porque para o consumidor só tem coisa legal. Ele vai ter mais concorrência entre os varejos e mais opções de marcas, produtos e serviços. Lojas cada vez mais modernas. Falando dos grandes grupos varejistas quem vêm de fora do País, eles trarão novas tecnologias e empregarão mão de obra local. O País também vai lucrar com impostos, gerados pelos novos negócios desses grandes varejistas que vieram para o Brasil.

E os pequenos varejistas brasileiros?

Esse é o ponto. O desafio está para os pequenos e médios varejistas que acabam encontrando uma disputa com empresas mais bem preparadas que eles. Cabe a esses pequenos e médios se unirem por meio de centrais de negócios, franquias, cooperativas e, assim, enfrentarem algo que é uma tendência mundial, não uma particularidade brasileira.

Mas essa união não se dá facilmente.

Não, não é fácil. Mas, o pequeno varejista tem que abrir a sua cabeça. Ele tem que perceber e aceitar que, individualmente, a guerra é muito complexa. E mesmo quando se faz uma união, cada varejista ainda quer fazer suas próprias compras, defender os seus próprios conceitos e dar a última palavra antes de qualquer decisão. Pois bem, na sociedade moderna você compartilha ou desaparece. Não tem outra opção.

Nesse novo mundo, muito mais tecnológico, o varejo ainda tem mais dificuldades que a indústria para se modernizar e realizar o seu trabalho se aproveitando das novas tecnologias. Por que isso ocorre?

Essa talvez seja a herança mais maldita do período de inflação no Brasil. O varejista nunca queria pensar muito sobre o futuro, por que as coisas mudavam constantemente. Qualquer planejamento em longo prazo estava fadado a não dar certo. Mas, isso tudo mudou. Hoje, os varejistas têm que entender que só as organizações que incorporam planejamentos em suas rotinas conseguem, realmente, ser vencedoras.

A concorrência entre as empresas varejistas parece cada vez mais acirrada. Em algumas regiões se vê uma enorme concentração de varejos, muitas vezes, um ao lado do outro. Enquanto isso, outras regiões são carentes desses varejos. Estariam nesses lugares as grandes oportunidades desse novo mercado?

De forma geral, os mercados emergentes são grandes oportunidades. Estou falando de regiões emergentes, seja por causa de pré-sal, seja por causa da pecuária, do turismo, do que for. Existem áreas do Brasil que o crescimento é muito diferente do crescimento médio do País. São lugares emergentes que necessitam de varejo e de muitas outras coisas. Demanda já tem, só falta quem a atenda. São áreas de crescimento econômico muito forte e já existem números confiáveis que mostram quais são esses lugares.

O varejo, assim como vários outros setores da economia, sofre com a falta de mão de obra. O que pode ser feito?

A atividade varejista gratifica bem, mas exige muito também. E para ser feliz no varejo tem que gostar. Varejo não é para todo mundo. Atualmente, existe alternativas que atendem à demanda de empregos, sem exigir do colaborador o sacrifício que o varejo exige. Então, vejo como forma de atração de mão de obra um regime de contratação diferenciado. A legislação trabalhista permite isso, para algumas situações. Fora do Brasil, já se faz bastante isso. Aqui é possível se fazer, mas, por enquanto, apenas algumas indústrias estão contratando de forma diferenciada – o varejo ainda está atrasado nesse tipo de coisa.

Transporte logístico é outro gargalo do varejo. E mesmo da indústria. O que pode ser feito?

Compartilhamento de cargas. É fácil de anunciar, difícil de implementar, mas cabível e desejável de ser praticado. Integração entre varejo e indústria no transporte de cargas é a melhor solução para as dificuldades logísticas enfrentadas no País. Mas, ainda existe uma dificuldade nessa integração. As grandes organizações, por terem uma gestão mais profissional, estão mais maduras e conseguem enxergar os benefícios de um compartilhamento de cargas para todos os envolvidos. Mas, as empresas ainda em amadurecimento, não conseguem enxergar os mesmos benefícios.

Algum outro elemento contribuiu fortemente para essa mudança do varejo brasileiro?

Sim. Entre os grandes elementos de transformação do varejo brasileiro, deve ser destacado o papel das entidades setoriais que têm amadurecido fortemente suas formas de atuação. Isso tem a ver um pouco com a questão da formalidade do mercado. Algumas entidades do passado tinham dificuldade de se posicionarem, por que tinham muitos associados na informalidade. Então, ficava difícil falar grosso, exigir um nível de atenção, um nível de compreensão dos problemas do varejo, junto aos governos, por exemplo. Mas, nos últimos anos, de forma geral, as entidades de varejo aperfeiçoaram muito a sua atividade de representação de seus segmentos. Isso tem contribuído para que todo o setor varejista se aperfeiçoe e se profissionalize, passando a pensar e agir mais estrategicamente.

Por Fábio de Lima 

Fonte: supervarejo.com.br – 11/08/14