Empresas se reorganizam para poder cortar custos

Em um ano de incertezas, em que a maioria das empresas tem como foco “arrumar a casa”, uma das formas encontradas para eliminar custos são as reestruturações dos cargos e níveis. As mudanças no organograma também refletem, em muitos casos, uma adaptação da operação a um ambiente de negócios que exige decisões mais ágeis.

O presidente da empresa de recrutamento Odgers Berndtson, André Freire, vê nas companhias uma perspectiva pouco otimista que deve continuar no próximo ano. A situação varia entre os setores, mas todos se posicionam de forma a se proteger de prognósticos negativos. “Com a situação da economia hoje, as empresas se programam e cortam custos para evitar o pior”, diz. Esse é um movimento natural das corporações, afirma Denys Monteiro, da empresa de recrutamento Fesa, pois os gastos são um aspecto que as empresas conseguem controlar.

O consultor Rafael Souto, da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado, especializada em outplacement, percebe que as demissões ocorridas em 2014 estão mais relacionadas à conjuntura e ao desempenho da empresa como um todo do que as do ano passado, mais motivadas pela performance individual. Nesse cenário, as substituições nem sempre se dão da mesma forma, e o enxugamento de cargos e o aproveitamento de profissionais mais juniores surgem como alternativas.

De acordo com Souto, há uma tendência de diminuição de níveis hierárquicos dentro das empresas, em especial na média gerência. “Cargos como coordenação, gerência média e supervisão são mais sensíveis a cortes estruturais”, diz. Outra situação comum atualmente, segundo os especialistas, é a combinação de funções vistas como complementares, resultando na diminuição de diretorias ou vice-presidências.

O consultor da Produtive dá o exemplo da união de funções como processos, produtos e supply chain na figura de um “diretor industrial” em empresas de manufatura. Já na área de TI, diretorias de infraestrutura, serviços e outras funções de níveis mais baixos passam a responder para um único diretor de tecnologia.

Outras possibilidades, cita Monteiro, da Fesa, são a união de diretorias de vendas e marketing, ou compliance com jurídico. “São movimentações da estrutura de acordo com a estratégia global ou local, geralmente por decisão de acionistas”, explica o headhunter.

A distribuidora de tecnologia da informação Officer, controlada pela Ideiasnet, realizou mudanças no organograma no início deste ano. O objetivo principal é adaptar a estrutura da empresa à estratégia de médio e longo prazos de um negócio voltado para tecnologia – que se modifica cada vez mais rapidamente. “Os ciclos estão mais curtos. Em estruturas pesadas, com vários níveis, os principais executivos acabam distantes da operação”, afirma Sami Haddad, presidente da Ideiasnet e presidente do conselho da Officer.

No caso da Officer, Haddad diz que a estrutura estava muito “dividida”, o que emperrava a agilidade. Para tornar a operação mais enxuta, além de uma redução de 15% da folha, a equipe de diretores deixou de ter sete executivos e passou a ser composta por cinco profissionais, incluindo o CEO. As áreas de marketing e gestão se tornaram uma só, focada em produtos, enquanto planejamento se integrou à diretoria operacional. As áreas de finanças e vendas se mantiveram. “Do grupo de executivos que estava antes, aqueles que abraçaram e lideraram a mudança ficaram. Quem não entendeu acabou saindo”, diz Haddad.

A mudança buscou mais velocidade na tomada de decisão – o que resultará em mais eficiência financeira e redução de custos, segundo Haddad – e veio junto com uma adaptação do processo de compra, armazenagem e logística dos produtos vendidos pela empresa. “O mercado de TI demanda uma atuação diferente. É preciso ser mais ágil e eficiente com estoque”, enfatiza.

Segundo o executivo, alguns resultados superaram as expectativas. O valor do estoque foi reduzido em 35%, de R$ 100 milhões para cerca de R$ 60 milhões, o que significa diminuição no tempo em que as mercadorias ficam guardadas e, consequentemente, menos risco de serem perdidas. “O corte nos custos também surtiu efeito. Apesar dos tumultos na economia, mantivemos o faturamento e ampliamos a margem”, diz Haddad, sobre a comparação entre resultados de junho deste ano com junho de 2013. “No próximo ano, esperamos acelerar o crescimento”, diz.

O papel de liderança do profissional que assume áreas unificadas se torna essencial para a transição. Para Rafael Souto, da Produtive, o principal desafio não é a potencial sobrecarga de trabalho, mas o alinhamento político de áreas diferentes. “A postura desse executivo é fundamental na hora de mobilizar as pessoas em um momento em que elas perderam o chefe e a empresa está dando sinais de redução”, diz.

A preocupação dos consultores é maior quando as decisões de redução acontecem menos embasadas na estratégia de longo prazo e mais como um reflexo do momento econômico. Exemplo disso é o fato de o cenário atual também ser propenso ao processo de juniorização nas empresas, como em casos em que posições de diretoria viram gerências, ou com a saída de profissionais de cargo mais alto – e, ao invés de uma nova contratação, a vaga é oferecida a um profissional logo abaixo na hierarquia, ainda sem a experiência necessária. “Essas empresas ficam mais fracas do ponto de vista da gestão”, diz Souto.

É comum que profissionais mais juniores passem pelo menos seis meses como interinos, período em que muitas vezes recebem coaching para ajudar na transição. André Freire, da Odgers Berndtson, tem sentido uma demanda maior por esse tipo de acompanhamento, ao mesmo tempo que tem recebido currículos de profissionais seniores que deixaram a empresa nessa situação.

Dar a responsabilidade a alguém com menos bagagem, no entanto, é uma decisão que sempre exige cautela – quando isso acontece sem o suporte necessário, o custo pode acabar sendo maior na frente. “A empresa precisa refletir se não está dando um tiro no pé. Se ela não tiver uma cultura que ajude nesse desenvolvimento, não há milagre”, diz Freire.

O custo pode vir, também, na forma de uma maior dificuldade de contratação quando o mercado se aquecer novamente. “Em 2008, muita gente que decidiu realizar cortes se arrependeu porque foi mais caro recontratar. Se a função é de longo prazo, não se deveria agir pensando no curto prazo”, diz Monteiro, da Fesa. Souto reforça ainda que a decisão por cortes deve ser sempre analisada com cuidado e de olho no futuro. “As empresas que começam a aumentar demissões agora são as mesmas que vão reclamar de apagão de talentos daqui a alguns anos”, diz.

Por Letícia Arcoverde

Fonte: Valor Econômico – 27/08

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